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Reinaldo Azevedo

Sei quanta porrada levei, não é? Há menos de 4 meses, Kim Janot-un dava apoio integral a Miller

Reinaldo Azevedo

05/09/2017 07h13

Marcelo Miller: Janot saiu em sua defesa há menos de quatro meses. O que mudou? O medo (foto: Foto: Alex Lanza/MPMG)

Epa, epa, epa! Antes de ficar com medo de ir parar na cadeia, o sr. Rodrigo Janot saiu em defesa de Marcelo Miller, seu braço direito, que ele agora acusa em rede nacional. Vamos ver. Antes, algumas considerações.

Comeram o pão que o diabo amassou, sem nem uma manteiguinha meio rançosa para aliviar a pena, aquelas pessoas que se atreveram a apontar problemas na Lava Jato! Logo eram obrigados a se explicar. Os, modéstia às favas, corajosos como este escriba — há outros, poucos, bem poucos — nem se sentiam obrigados a declarar: "Ah, é claro que sou favorável à Lava Jato, mas…" Ao fazê-lo, era como se o vivente explicasse: "Olhem, sou uma boa pessoa, tá? Também sou contra bandido. Só que é preciso cumprir a lei…"

E não foram poucos os que pagaram esse mico, com medo das redes sociais. Dou uma banana solene para esses patrulheiros! Quem manda em mim sou eu. Sou dono da minha vontade. Não presto satisfações a milicianos do submundo. Houve outras formas sutis de se ajoelhar ao altar de Rodrigo Janot, como afirmar que a conversa de Michel Temer com Joesley Batista — uma tentativa asquerosa de condução e indução no que havia de compreensível — era, por si mesma, criminosa. E eu perguntava: "Mas onde está o crime? Em qual trecho? Em qual fala? Em qual passagem?" Nunca se ousou responder.

A história de que o presidente teria prevaricado ao ouvir a confissão de que Joesley comprara um procurador e dois juízes e nada fizera é para enganar idiotas. A propósito: cadê os tais juízes?

Mais: o conjunto da obra evidenciava que o que se deu envolvendo Temer e o senador Aécio Neves (MG), presidente licenciado do PSDB, não era Operação Controlada coisa nenhuma, que é legal. Tratava-se de um caso clássico, evidente, escandaloso mesmo, de flagrante armado, o que é ilegal. A história que Rodrigo Janot trouxe à luz — ou às sombras — simplesmente não fazia sentido. Aí revelou a Folha que, duas semanas antes de Joesley gravar o presidente, um auxiliar do procurador-geral deu uma "aulinha" de delação para o advogado do açougueiro de casaca. Em companhia de uma delegada da Polícia Federal. E, ora vejam, isso foi considerado a coisa mais normal do mundo.

Pior: a imprensa já estava inteiramente pautada, com a arma já fora do coldre, para dar curso à delação de Lúcio Funaro, outro bandido que passaria a viver seus dias de herói. Os blogs e sites do jornalismo espevitado, da fofoquinha e na maledicência, já estavam fazendo o serviço sujo, a plantar supostas evidências da intimidade entre o presidente e o doleiro. Só isso? Não! Voltem ao noticiário do fim de semana e desta segunda: a base de Michel Temer teria diminuído; a permanência no poder estaria ainda mais cara; o presidente teria de ir às compras para não cair…

E eis que Janot decide dar uma entrevista coletiva. A expectativa? Lá vem piche quente na sola do sapato de Michel Temer. Mas quê…

O que se viu
O que se viu era o retrato do constrangimento. Tudo o que aqui se falou por meses — a rigor, anos — estava na boca do procurador-geral da República:
– sim, seu auxiliar direto, tudo indica, participou de ações ilegais durante o processo de delação;
– sim,  Joesley Batista, Ricardo Saud e outro diretor omitiram informações;
– sim, o acordo de delação premiada terá de ser revisto.

Nessa hora, penso na cara de Roberto Barroso. Penso na cara de Luiz Fux. Penso na cara de Edson Fachin. Penso na cara de Rosa Weber. Isso para ficar nos casos mais evidentes. Imaginem se a tese desses valentes tivesse prevalecido, não é? Nem mesmo um acordo que, tudo indica, traz elementos criminosos poderia, agora, ser revisto. E fiquem vigilantes! Porque vão tentar manter a patuscada.

Janot agora se finge de santo. É mesmo? Bem, qual foi a resposta que ele deu quando ficou evidente que Marcelo Miller havia deixado a PGR e migrado de mala e cuia para as carnes de Joesley? Vou lembrar aqui o que disse o sr. Janot numa nota, aplaudido por idiotas. Prestem atenção:
"Acerca de notícias veiculadas pela imprensa na manhã deste sábado, 20 de maio, a Procuradoria-Geral da República esclarece que o ex-procurador da República e hoje advogado Marcelo Miller não participou das negociações do acordo de colaboração premiada dos executivos do grupo J&F. Cabe lembrar que a colaboração premiada é celebrada entre Ministério Público e pessoas físicas acerca de condutas tipificadas no Código Penal. Já o acordo de leniência é celebrado com pessoas jurídicas (empresas), refere-se a infrações de natureza cível contra a ordem econômica é de atribuição de procuradores da República que atuam em primeiro grau."

E então? Ora, e quem teve a coragem de levar essa questão para o plenário do Supremo? Quem teve o topete de debatê-la? Quem teve a ousadia de tocar no "é da coisa"? Acertou quem respondeu Gilmar Mendes, não é?, que alguns trouxas dizem ser inimigo da Lava Jato. Ocorre que é inimigo da Lava Jato todo aquele que tem o tutano necessário para apontar seus desatinos.

Sim, Janot tomou ele próprio a iniciativa de expor a falcatrua. Se não o fizesse, alguém o faria por ele. E, claro, também está num joguinho: como se sente obrigado agora a oferecer mais uma denúncia contra Michel Temer, busca uma réstia de credibilidade: "Olhem, sou isento…"

A questão que se deve fazer, tão logo ele apresente nova denúncia contra Temer, agora com base no que disse Funaro, é a seguinte: "Janot tem a certeza de que não está sendo enganado? O Brasil deve ficar tranquilo quanto à possibilidade de não estar sendo enganado por Janot?"

Esse cara deveria se mandar: já deu! Está a poucos dias do fim do mandato. Mesmo assim, com uma sobrinha de hombridade a lhe pesar nos ombros e nas faces, deveria renunciar ao mandato.

Ainda falta muita coisa até que vocês conheçam os bastidores sórdidos destes dias. Um presidente da República, e o país, chegaram à beira do abismo em razão de uma ação que, admite-o o próprio procurador-geral da República, está maculada pelo crime.

A propósito: será que o resto da operação resiste a outras machadadas, sem que apareçam minhocas às milhares?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.