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Reinaldo Azevedo

Violência é coisa séria demais para a Bancada da Bala ou do Guevara, que também é da bala

Reinaldo Azevedo

31/10/2017 04h13

Nada menos de 61.619 pessoas foram assassinadas no Brasil em 2016. É o que aponta o 11° anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A coisa beira uma tragédia civilizacional. E, Deus Meu!, acompanho a cobertura da imprensa e vejo que, tudo indica, não conseguimos aprender nada. E também não esquecemos os erros antigos. Entre as empulhações da direita e as da esquerda, parece que estamos destinados a morrer todos. Por que digo isso? Tanto os sectários de um lado como os de outro fazem questão de superestimar as árvores, sem ver a floresta. Como? Achou a metáfora um clichê? Então lá vai uma referência melhor: na peça "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", de Edward Albee, a personagem Martha dá uma esculhambada em Nick, um jovem e ambicioso cientista, que se aproximou dela e do marido, dois coroas, por interesse — o pai dela é reitor da universidade. Mas ela logo se desencanta com a estupidez bem apessoada do gajo:

MARTHA – Ora, mocinho, você vive curvado em cima daquele seu microfone. . .
NICK – Microscópio.
MARTHA – É. . . E não vê coisa nenhuma, não é? Analisa tudo menos a maldita mente humana. Enxerga manchinhas e pontinhos, mas não sabe o que é que está acontecendo ao redor, não é verdade? Sabe tão pouco e vai conquistar o mundo, hein!?

Voltemos ao ponto. Vejam abaixo a taxa de homicídios por 100 mil habitantes estado por Estado.

É espantoso que nos descuidemos do conjunto de dados para dar destaque enviesado a números parciais. Querem ver? Faz-se um alarde imenso com o crescimento dos latrocínios — roubo seguido de morte —, que saltaram de 1.593 em 2010 para 2.514 em 2016. É preocupante? É, sim! Mas, se os dados estiverem certos, esse tipo de crime representa "apenas" 4,1% das mortes violentas. Sim, esse "apenas" já é, em si, uma estupidez, mas o que dizer sobre o total de que ele é uma fatia?

Aí, então, é preciso olhar para os dados de cada Estado e para o número que interessa: a taxa desse crime por 100 mil habitantes. Vejam (quadro publicado pelo Estadão):

Há alguma razão que explique o fato de São Paulo ter 0,8 vítima de latrocínio por 100 mil habitantes, enquanto o Pará tem 2,3? É o triplo! Não sendo, e não são, os paraenses particularmente propensos ao latrocínio, é evidente que há disfuncionalidades na política de segurança do Estado. Há números que, de resto, nem fazem muito sentido e precisam de especial atenção: como pode o Estado de Minas ter praticamente o dobro da taxa de mortes violentas (20,7 por 100 mil) de São Paulo (11), mas a metade dos latrocínios, respectivamente 0,4 e 0,8/100 mil? A taxa de latrocínio da Paraíba é igual à paulista, mas a de mortes é o triplo. Assim, é grande a possibilidade de que haja subnotificação de latrocínios, não?

O caso de São Paulo
A imprensa paulista — ou paulistana —, ao contrário do que fazem quase todas as outras em relação a seus respectivos estados ou capitais, adora odiar o seu lugar. "Mas o certo é amar ou detestar, Reinaldo?" Nem uma coisa nem outra. O certo é fazer conta. Em todo canto, lê-se que cresceram, em São Paulo, os latrocínios de 2015 (345) para 2016 (352). Ainda assim, é a terceira unidade da federação com menos ocorrências. A questão sem resposta — e eu pretendo dá-la aqui — é esta: por que a taxa de homicídios do Estado é tão mais baixa na comparação com as outras unidades da federação? São, reitere-se, 11 por 100 mil. O segundo estado mais bem colocado é Santa Catarina, com 15 — ou 36% a mais. Temos nada menos de 16 Estados com uma taxa superior à do Brasil. Entre os 10 mais violentos, seis estão no Nordeste. Pela ordem dos que mais matam: Sergipe (64 por 100 mil), Rio Grande do Norte (58,9), Alagoas (55,9), Pernambuco (47,6), Bahia (46,5), Ceará (39,8). Enquanto, em São Paulo, os homicídios caíram 12,23% entre 2013 e 2016, subiram 47,61% em Sergipe, 18,21% no Rio Grande do Norte, 41,53% em Pernambuco, 16% na Bahia.

A primeira tentação do populista de esquerda é associar a pobreza à violência. Sou obrigado a notar que a explosão de homicídios no Nordeste coincidiu com a fase em que a região mais cresceu e mais gerou riquezas. É anterior a 2013. E o direitista estúpido logo pensa em armar a população, hipótese em que tudo se agravaria.

 Parece-me que políticas equivocadas de segurança pública é que provocaram o estrago. Se a taxa de homicídios do Brasil fosse igual à de São Paulo, os mortos seriam 22.503 pessoas. E 38.660 seriam poupadas a cada ano. Como explicar? Ontem, na TV, ouvi um desses especialistas em si mesmos tentando ensaiar uma resposta. Segundo disse, o crime estaria migrando do Sudeste para outras regiões. A minha explicação é outra. Embora abrigue 22% da população do Brasil, São Paulo conta com 40% dos presos. É legítimo, e outros cruzamentos já provaram essa relação, supor que bandidos encarcerados não estão nas ruas matando. Isso tudo, no entanto, tem um custo. E não é pequeno.

O caso do Rio de Janeiro
Embora o Rio esteja em 10º lugar na taxa de homicídios (37,6 por 100 mil), o indicador cresceu 15% entre 2013 para 2016 — de 2015 para 2016, o salto foi de 24%, o que significa que vinha em queda e explodiu. Ora, meus caros, não é impressionante que seja justamente esse o período em que o governo do Rio se desconstituiu e em que uma fraude administrativa chamada Sérgio Cabral se revelou? E não! Não pensem que o Rio quebrou só porque houve ladroagem. Não pensem que o Rio quebrou porque a Lava Jato pegou o ex-governador. O Rio quebrou em razão de políticas públicas irresponsáveis em todas as áreas, também na segurança. Ainda que todos fossem uns santos.

Ao destacar esses dois exemplos, chamo a atenção para a diferença que faz a atuação dos governos locais. Sim, seria melhor que o padrão do país fosse São Paulo, mas seria tolo aquele que se conformasse com seus números. A taxa de homicídios do Japão é de 0,3 por 100 mil habitantes. O número mais virtuoso do Brasil é 35 vezes maior — o do país como um todo, 96,6 vezes.

A desconstituição da governança no Rio se verifica também no número de policiais assassinados e de pessoas mortas em confrontos com a polícia. O Estado exibiu em 2016 a maior taxa de vítimas fatais por grupo de mil profissionais: 2.3 — um crescimento de 35,7% relação ao ano anterior. E também foi para as alturas a taxa de pessoas mortas em confrontos com policiais: de 3,9 mortos por 100 mil em 2015 para 5,6: elevação de 43,58%.

Não se pode permitir esse açougue humano a céu aberto.  Tome-se o caso da Bahia. Com pouco mais de 15 milhões de habitantes, conta com um terço da população paulista, mas, em 2016, em números absolutos, teve 44% a mais de homicídios: 7.110 contra 4.925. Está no 11º ano de gestão petista. No período, o Estado deixou as últimas colocações no ranking do mal para figurar entre os primeiros.

A questão da violência é séria demais para ficar restrita à estupidez interessada da bancada da bala ou às utopias homicidas da bancada do Guevara.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.